quarta-feira, 24 de março de 2010

Vicente Celestino - musical

Fonte: O Globo

O rosto de Alexandre Schumacher não parece o de Vicente Celestino. A voz de Alexandre Schumacher é de baixo, e Vicente Celestino era tenor. No entanto, em 1996, Alexandre Schumacher encarou sem microfone e sem problemas os mais de dois mil lugares do Guairão, em Curitiba, ao apresentar lá a peça "Mary Stuart". Foi em boa parte por ter um respeitável alcance vocal que o ator recebeu o convite para viver o cantor e seu vozeirão em "Vicente Celestino, a voz orgulho do Brasil", espetáculo musicado de Wagner Campos que estreia amanhã no Sesc Ginástico. Com direção de Jacqueline Laurence, a peça é uma produção da companhia Limite 151 e também traz no elenco, entre outros, Stella Maria Rodrigues e Camila Caputti interpretando a cantora, diretora, atriz e autora Gilda de Abreu, mulher de Celestino.

Esta será a primeira montagem nos quase 20 anos da companhia Limite 151 que não parte de um texto clássico, de dramaturgos como Shakespeare, Tennessee Williams, Nelson Rodrigues ou Molière. O autor de "Vicente Celestino...", Wagner Campos, é maestro e músico da própria companhia e quis criar não um musical, mas uma peça musicada, pois, nela, as canções, em vez de fazer a ação avançar, apenas se alternam com a história.

- A dramaturgia aqui é importante. A peça não faz só uma reunião das músicas do Vicente Celestino, ela analisa a transformação da música brasileira. Não sei se o Wagner teve essa intenção, mas, para mim, ele fez um tratado sobre música - afirma Alexandre Schumacher, referindo-se à chegada da bossa nova quando fala de transformação. - A bossa nova trouxe esse "jeito de cantor de apartamento", como o Celestino dizia. Era um modo de cantar que o Mário Reis já tinha feito antes, que o Chet Baker fazia lá fora, mas que, por adquirir esse ar de movimento, representou o fim para a geração do Celestino, para a música feita por gente como Catulo da Paixão Cearense. Em 1967, o Celestino, que teve mais de 50 anos de sucesso, viu-se indo a Salvador só para duas apresentações. A peça mostra como ele percebe que está deixando de ser requisitado, além da desconfiança que ele tinha dessa nova geração. Essa desconfiança aparece, por exemplo, quando ele é chamado para gravar um programa com os tropicalistas e fica sem saber o que aquela turma estava querendo dele.

"Vicente Celestino..." também fala da relação do cantor com Gilda de Abreu. Ela não se encaixa na figura de mulher que abdica totalmente do trabalho pelo marido, pois teve sua própria carreira de sucesso. Mas a atriz de "Bonequinha de seda" e diretora de "O ébrio" - filme e canção que levaram Celestino a tal popularidade que ele, que não bebia, passou a ter uma coleção de garrafas de bebida em casa com as tantas que começou a receber dos fãs - acabou de fato parando de cantar e se tornando uma empresária do marido.

- Ela realizou muito com o próprio Celestino, porque gravou muita música com ele, como "Ouvindo-te", e o dirigiu no cinema. Mas chegou um ponto em que ela foi realmente se dedicar a ser uma espécie de empresária do Celestino, talvez por ver que não tinha o impacto como cantora que o marido provocava - conta Schumacher, que anos atrás chegou a criar com um amigo um pocket-show com músicas de Celestino, com autorização da família e patrocínio, mas o show não aconteceu (porque não havia uma pessoa jurídica para a produção). - A relação de Vicente e Gilda não era só de amor. Existia uma amizade incrível, pelo menos em comparação ao que vejo nos casais por aí.

- Não dá para contar a história de Vicente Celestino sem a Gilda - completa Stella Maria Rodrigues, que faz Gilda de Abreu a partir dos 33 anos, enquanto Camila Caputti a vive mais jovem. - Foi uma mulher absolutamente empreendedora, mas que quis ser, também profissionalmente, a companheira do marido, quase 20 anos mais velho que ela.


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