terça-feira, 27 de abril de 2010

CORTE SECO












De uma hora pra outra, um corte abrupto, seco, muda sua vida. Um copo que quebra no chão da cozinha, um carro avançando sobre uma calçada, um marido que pede a separação, a mãe que pari, o filho que se suicida. Um corte seco. As vezes profundo, as vezes superficial, mas seco, sem chance ao retorno.

Tive contato com a teoria do caos e uma das coisas mais simples que me ensinaram é assim: vc tem um balde cheio de tinta branca e vc joga uma gota de tinta preta. Pronto, está instalado o caos. As micro gotas vão se espalhar por aquela tinta branca e voce jamais irá conseguir desfazer esta bagunça causada por uma simples gota. Um corte seco.

Em cartaz no Teatro Maria Clara Machado, depois de ter viajado Brasil a dentro e ter estreado no Sérgio Porto, Corte Seco é um exercicio de ator, e de diretor, criado por Christiane Jatahy, onde histórias nossas do dia a dia, reais, imaginadas e verdadeiras nos são apresentadas e cortadas pela diretora, que como uma editora, pára ou deixa continuar aquela troca de sentimentos entre os atores e os personagens.

O bom da peça é que se pode assistir várias vezes ao espetáculo e sempre haverá um corte seco novo. Também, com um elenco que se entrega de corpo e alma ao que faz, Christiane tem as suas mãos um espetáculo criativo, inovador, divertido, emocionante e, acima de tudo, rico em diálogos. Várias cenas me deixaram boquiaberto. A dos irmãos discutindo sobre um pai moribundo (onde Du Moscovis e Ricardo Santos levam a platéia às lágrimas), a do casal sacana onde a mulher se deixa estuprar pelo marido (também Ricardo Santos e Cristina Amadeo numa entrega totalmente despudorada) e a do filho que tenta a todo custo ser ouvido pelos pais (num excelente "triálogo" entre Cristina Amadeo, Leonardo Neto e Paulo Dantas).

A peça é dirigida com mãos de ferro e mãos de fada. Os cortes não são tão rigidos assim, mas a cada um deles, os atores ficam em posição de "sentido!", totalmente serios e concentrados em suas ações, pois elas podem voltar a acontecer no minuto seguinte. Gosto muito desse jogo proposto aos atores. Gosto muito da direção segura e certeira de Christiane. Ela sabe onde quer chegar, onde vai dar essa peça. Incrivelmente bom.

Os atores, TODOS, estão totalmente entregues a este jogo proposto. No dia que assisti, Du Moscovis, Marjorie Estiano, Ricardo Santos, Felipe Abib, Paulo Dantas, Cristina Amadeo, Leonardo Neto, Stella Rabello e Branca Messina se completam, se ajudam, se apoiam, se entregam e representam seus papéis com intensidade total, entrega absoluta. Lembrou-me de um exercicio de confiança que fica uma pessoa no meio da roda, tipo João-Bobo e quem está em volta nunca pode deixar o do meio cair. Confiança, afinidade, parceria. Não sei se na cochia a coisa é igual, mas pra nós, espectadores a entrega é incrivel.

Gosto do cenário composto de cadeiras com as formas de se falar um assunto (Narrar, Descrever, Dialogar...), gosto das fitas crepes no chão, causando o caos do pingo da tinta preta na água branga, gosto das imagens captadas fora do teatro e no camarim, exibidas ao vivo em tvs de plasma, é o teatro saindo da caixa preta e invadindo os espaços publicos e, por que nao, privados dos atores.

É uma peça para quem gosta de teatro, sabe jogar com palavras, tem interesses em vasculhar a vida dos seres humanos e seus comportamentos. Eu recomendo mesmo que assintam a este espetaculo dispostos a entrarem no jogo teatral e no jogo da vida.

Garanto que este espetáculo será um corte seco na vida de quem assistir. É um marco, pra mim, na forma de se apresentar no palco, é um espetaculo que tem um diferencial e por isso é genial, inteligente e brilhante. Parabéns a todos.

Mais informações no site - http://corteseco.com

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