sexta-feira, 20 de agosto de 2010

PEDRAS NOS BOLSOS

Trabalhei em televisão e aprendi sobre programas, cenografia, iluminação, produção, como chorar escondido no banheiro, qual é o gosto do sapo que se tem que engolir a seco... E foi, te garanto, muito proveitoso. Os bastidores de uma gravação externa beiram o colapso, o caos. E o resultado a gente vê na Tv. Mas poucos sabem que um figurante ganha R$ 30,00 por dia e um lanchinho, bem "inho" mesmo. Tem os controladores dos figurantes, os famosos fiscais. Geralmente atores figurantes mais experientes que passam "todo o seu talento em ser figurante" para os mais novatos, ou necessitados de 30 contos. Uma agência de "modelos e atores" é contratada para providenciar os figurantes e tudo sob o comando do assistente de direção, o ralador-mor de um set de gravação e filmagens.

Posto isto, está em cartaz no Teatro Poeira, um presente para o espectador carioca, como bem disse a critica do maior jornal deste país. E é mesmo. Um presentão. A história de dois figurantes de um filme rodado no interior, que sofrem com os descasos da produção, com os mandos e desmandos do assistente de direção, as viagens na maionese do verdadeiro diretor e as frescuras e chiliques da estrela do filme. Tudo se passa em 3 dias de filmagem onde, neste tempo, um dos figurantes se suicida se jogando ao rio com pedras nos bolsos, uma vez que descobre que sua vidinha nada mais é do que uma eterna figuração. A realidade foi mais forte que a ficção para ele.

Soma-se a isso, que um dos figurantes tem uma idéia para um roteiro de filme e tenta a qualquer custo apresentá-la para a produção deste filme onde está trabalhando. Claro que nao dá certo, mas no final da peça, a idéia de transformar a vida de figurantes em roteiro de cinema é apresentada como "brilhante"... Menos. Eu já vi essa história e filme antes...

O bom do texto de Marie Jones é a costura. Frases humanas e cruéis, ditas pelos principais personagens, os dois figurantes, sao abraçadas por frases divertidas e caracteristicas de um set de filmagens e nós nos sentimos lá, fazendo parte disso tudo. Um texto muitissimo ágil, bem escrito, inteligente e honesto.

Incrivelmente, só temos dois atores, Luiz Furlanetto e Paulo Trajano. Não tem o melhor. Ambos são perfeitos, usam e abusam de suas vozes e corpos para viverem uns cinco personagens cada um. E haja fôlego! Os dois são incansáveis. Se divertem no palco. E com isso, nós, na platéia, nao piscamos um segundo.

A direção de David Herman, que também assina a cenografia, está enxuta, dinâmica e inteligente, pois usa todo o cenário para dar vida aos personagens. Observamos cada mudança de situação e personagens com clareza, nada ficando sem ser explicado ou mal entendido.

A luz de Wilson Reiz é muito boa, bonita, auxiliando o cenário com gobos de cela de presidio e vitral de igreja. Um casamento perfeito entre cenário, luz e direção. Assim como o figurino simples de Desirée Bastos está bastante adequado e as trocas de roupa são necessárias e rapidas, à vista dos espectadores, que se tornam cumplices da história.

A peça realmente diverte. A primazia dos atores surpreende e não se assustem se ambos forem indicados para algum prêmio de teatro.

Mas... tem sempre um mas. A peça não pega pela emoção. A história é simples, o motivo da morte de um dos personagens é a realidade que bate à porta de sua vida rudimentar, mas a emoção disso não é explorada no texto. Pensei, sinceramente, que fosse me emocionar na peça, e não aconteceu. Talvez pela autora ser irlandesa o seu humor e o seu sofrimento sejam um pouco frios demais para a nossa latinidade.

A peça é um excelente exercicio para toda a equipe e para o público que tem que prestar atenção para não se perder. O que me emocionou de verdade foi a coesão de toda a ficha técnica, a bela produção e o excelente trabalho de atores e direção. Isto sim é um presente para nós que amamos o teatro.

Vá ver. Recomendo.

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