segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

A LUA VEM DA ÁSIA

No nosso Clube da Letra, onde desovo meus contos divertidos, e me faço de bobo da corte dos confrades, temos que ocupar a cadeira cujo patrono escolhemos para defender. Escolhi Nelson Rodrigues, que me é muito querido, principalmente pelos meus afazeres teatrais. Pra mim ele é o nosso Shakespeare. Um gênio. Porém, não temos Campos de Carvalho... e me identifico muito com este autor mineiro.

Quando assisti ao Púcaro Búlgaro no teatro, duas frases ficaram martelando minha cabeça: “se existe uma chávena de chá, por que não existe uma chocolátena de chocolate?” e a outra, a melhor... “soube que você mora sozinho e resolvi vir morar sozinho com você”. Esta última mostra claramente nossa solidão diária de cada dia. Podemos até nos emprestar para outras pessoas, mas somos todos solitários.

E é assim que em “A Lua Vem da Ásia”, Campos de Carvalho nos brinda com um solitário louco do bem, um inventor de palavras, e de histórias, que acredita naquela viagem ao mundo em 90 minutos, onde tudo pode acontecer, sem sair do lugar. O personagem preso o tempo todo em sua cela nos faz crer que aquela historia de sua vida é real, porém tudo não passa de sua imaginação. Será? Uma pérola bem ao estilo Campos de Carvalho ficou bimbalando meus ouvidos “Em Fortaleza, funcionei como funcionário público”.

Fiquei um pouco confuso durante os primeiros 20 minutos da peça. Não entendia muito bem o que estava acontecendo, mas, como em O Pucaro Bulgaro também aconteceu isto comigo, resolvi dar um crédito. Felizmente a história se divide em 2 partes. A primeira, onde o personagem está bastante oprimido e confuso, suas palavras nos são enviadas como uma cachoeira veloz. A segunda parte da história, o personagem está mais leve e as palavras soam mais firmes, engraçadas e claras. Talvez por ser um livro, nos cabe o momento de parar para virar uma página, tomar uma água, e então voltarmos para aquele furacão de idéias. Mas para o teatro, não temos este tempo para a respirada necessária e, então... algo fica confuso na primeira parte deste texto.

Mas tudo isto é sabiamente compensado com uma equipe de primeira. O cenário de Fernando Mello da Costa é incrível! Uma cela vira céu, o tamanho do artista é aumentado pela diminuição dos objetos do quarto, e as projeções (Eder Santos e Trem Chique) estão bem integradas com toda a construção cênica. Destaco a alimentação do paciente. Quem assistir, saberá! O figurino de Maria Dias Rocha é um mix de mendigo e louco, que nos dá a exata noção de cada momento vivido pelo personagem. A luz do queridíssimo Renato Machado é sempre elegante e competente. Gosto muito!

Moacir Chaves eu acompanho faz tempo, desde Bugiaria, passando por Utopia, entre outras peças. É sempre bastante criativo e inovador, ligado a trabalhos de excelente qualidade e alto nível. Aqui segue o mesmo tom e regra. Dirige com rigor e firmeza, liga os pontos necessários para dar vida àquele louco do bem.

E Chico Dias pode separar um espaço para a estatueta de melhor ator deste primeiro semestre de 2011 dos palcos cariocas. Uma dedicação, uma entrega, um carinho, uma presença que contagia o espectador. Se o texto é confuso, Chico tira partido, confundindo ainda mais e trazendo a platéia para seu lado, como cúmplices para decifrarem aquelas doidas palavras de um doido.

Sinceramente, não sei porque a tal lua vem da Ásia... deduzo que seja por causa da Terra do Sol Nascente e, visto que ambos, sol e lua nasçam no mesmo ponto (oi?), realmente a tal lua possa vir também da Ásia... coisas de Campos de Carvalho!

Se você gosta da literatura brasileira, principalmente saborear um autor que brinca com palavras e se você aprecia uma interpretação de alto nível com um espetáculo de excelente qualidade, compareça ao CCBB para ver a peça. É só até domingo no Teatro 1! Vá lá e depois me conta.

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