segunda-feira, 11 de julho de 2011

OUTSIDE

Faz tempo eu já havia comentado com alguns pintores de arte da Fábrica de Cenários da Tv Globo sobre o "fim da arte". Argumentei que tudo já havia sido feito, pintado, criado, e o que existe hoje é uma repetição do já repetido. Nãna Pirez, minha mestra e amiga, diz que tudo que ela vê atualmente já foi visto a exaustão. Mais do mesmo. E aí percebemos que a arte tem que tomar um rumo. Recriar é também uma forma de arte. Um plágio de si mesmo também é uma forma de arte. Até que ponto vale a pena doar seu corpo, literalmente, para a arte? Já que tudo foi inventado, dito, recriado, falta-nos encarar a morte como forma de arte.

E é com base nestas questões que o autor Pedro Kosovski nos conta a história de uma garota que oferece seu corpo para uma instalação artística. Ela se mata em nome da arte. Se mata ou é morta? Temos também um ex-homem que se mutila e se acrescenta em nome da arte. Vira um mix de homem + mulher + andrógeno. Temos ainda a dona da galeria de arte, e os críticos de arte ("comprados" e financiados pela dona da galeria). Discussões sobre os rumos da arte, sobre a latrina da vida humana em busca do sucesso rápido. O texto fica muito bem amarrado da metade do primeiro ato em diante. O mestre de cerimônias nos convida a entrar no jogo e deixar todos os pré-conceitos, medos e ressalvas lá fora da galeria de artes que é o cenário da peça. Deixem tudo lá fora, Outside.

A direção de Marco André Nunes é excelente! Utilizando-se de todo palco, conduzindo os atores a personagens muito ricos em gestos, caricaturas e frases muito bem ditas (dicções perfeitas) e bem empregadas, conduz muito bem a velocidade e a calmaria necessários ao entendimento de toda a ação. Discute com a platéia o tema, nos faz embarcar na história querendo não terminar tão cedo. Acerta muito na escolha de alguns videos, principalmente nas letras das musicas traduzidas, mostrando o porquê da escolha, que se encaixa perfeitamente no contexto da peça. Sugiro apenas que reveja o inicio da peça, pois demora muito a começar efetivamente o espetáculo. O video inicial ja é repetido algumas vezes ao longo da peça. Mas isso não prejudica em nada a excelente direção e o conceito de um musical muito bem feito.

A cenografia e o figurino de Flavio Graff é genial. Um acerto só. Tudo muito bonito, de bom gosto, funcional, se aproveitando dos platôs criados com praticáveis Feeling. Destaque para os objetos da cozinha e do escritório! Excelente! E o figurino não poderia ser mais competente! Da roupa da dona da galeria, aos tecidos, cores, leveza. Tudo muito bem encaixado e bem concebido. Aplausos também para a caracterização, visagismo, de Josef Chasilew.

A excelente luz do Renato Machado cria sombras, chafarizes de luz em frente à banda, pinos, tudo num clima Noir, quase um filme, mas sem esquecer que se trata de um musical de Rock, muito bem iluminado nos numeros musicais. Belissimo!

Destaques para a competente coreografia e direção de movimento de Marcia Rubim; excelentes arranjos musicais de Felipe Storino; a competência da banda; a exata altura do som. Fiquem atentos apenas para o seguinte: os numeros musicais com microfones sem fio, de mão, funcionam melhor do que os microfones de testa. O som sai melhor e entendemos as letras. Bobagem minha. Aplausos tb para os competentes videos dos sempre competentes Rico e Renato Vilarouca.

Não menos importante: o elenco. Poucas vezes vejo tanta entrega em alguns musicais quanto vi neste. Todos estão equilibradissimos em sua competência como atores, cantores e dançarinos!! Destaco a caracterização de gestos de Leticia Spiller, a brilhante transformista de Jorge Caetano que certamente será agraciada com um premio de teatro, o excelente numero de sapateado e total entrega de George Sauma, o carisma de Andre Mattos, a sobriedade necessária de Bruno Padilha, a sonoridade e beleza de Gabriela Geluda, os generosos e belos números muscais dos Acionistas Remo Trajano e Marina Magalhães. Muito bom também o trabalho de Laura Araújo, Paula Otero e Carolina Lavigne. Elenco e bandas carismáticos e competentes.

O que eu mais gostei mesmo foram os nomes dos personagens. Tudo a ver. Mas só indo ao teatro, e lendo o programa, é que vocês entenderão perfeitamente a generosa, criativa e inteligente escolha do batismo dos personagens. E muito melhor ainda ouvir David Bowie muito bem cantado por este elenco afinado!

A peça é um total acerto. Discute, faz pensar sobre arte, o poder da midia, a ditadura dos incentivos fiscais e da critica (ó eu aqui), ouve-se muito boa musica, belissimas interpretações. Saímos do teatro acrescentados. Uma novidade em musicais do Rio de Janeiro como há tempos não temos. Inovação, criatividade, arte. Misture tudo isso e corra para o teatro do Espaço Tom Jobim para ver OUTSIDE.

IMPERDÍVEL!!