quinta-feira, 14 de junho de 2012

ARTE


 Quando cursei Engenharia Civil na UFRJ, era uma mistura de CDF com Nerd. Sentava na frente e usava “fundo de garrafa” para enxergar - que ainda uso em casa com a luz apagada, o que me rende o apelido de “Beth, a Feia”. Na aula de programação de computação, chegou um aluno atrasado e só restava um local para ele, ao meu lado. Aprendemos a criar e nomear um arquivo. “Perereca” foi o escolhido. Naquela aula, eu ri tanto com o aluno ao meu lado que “decidi”: esse cara vai ser meu amigo. Ele lutava Jiu Jistu, foi expulso do colégio, saía toda noite. Totalmente oposto ao meu modus operandi.  A amizade durou mais de 15 anos. Por que ficamos amigos com tantas diferenças?

Esta em cartaz no Teatro do Leblon a peça “Arte”, da autora Yasmina Reza. Conheci seu trabalho no ótimo “Deus da Carnficina” e ela é a mestra na arte de juntar duas a duas pessoas para brigar com uma outra. Imagina assim: Iraque, Irã e Síria. Ora Síria e Iraque brigam com Irã. Ora Irã e Iraque bombardeiam Sìria, ora Síria e Irã ficam contra Iraque.  Yasmina brinca com as palavras, dizendo coisas muito sérias sobre relações humanas, sobre comportamentos, individualismo, parceria, companheirismo. Em Arte, o mais importante é discutir a amizade. Em Arte, um amigo compra um quadro. Ele é branco, mas tem listras brancas. Compra cara. Um dos amigos acha o quadro uma merda. O terceiro, fica em cima do muro. Pronto, está estabelecido o conflito. Ninguém pode agir e ser quem é em função da outra pessoa. Temos que ser quem somos, porque somos o que somos.

Emilio de Melo capricha na direção. Valoriza o que há de melhor nos atores e no texto. Sem corre-corre, com pausas necessárias para a reflexão tanto da plateia, quanto dos atores, conduz a história dos três amigos com jogos de luzes, interferências sonoras, com a beleza e elegância com que tem feito seus últimos trabalhos. Gosto muito da simplicidade da montagem contrastando com a complexidade das relações humanas.

A cenografia de Aurora de Campos é o necessário para a história ser contada. Trainéis brancos (ou quadros brancos), onde tudo é nada e o nada é tudo. O figurino de Marcelo Olinto mostra claramente a “Importância social” de cada um dos amigos. A luz de Tomás Ribas é perfeita para os momentos em que atores falam com a plateia e para os embates no palco.

Os atores Claudio Gabriel, Marcelo Flores e Vladmir Brichta estão excelentes em suas construções.  Cada um veste seu personagem, sem deixar duvidas das suas características principais. Claudio Gabriel interpreta o comprador do quadro. É dele também a principal cena da peça, já no final, em que demonstra que a amizade é o bem mais precioso que o quadro comprado. Destaque para a cena em que Brichta narra a ligação telefônica entre ele e a mãe. Brichta também interpreta com perfeição o que, pra mim, é o mais difícil na arte dramática “o ser patético”. E não posso deixar de comentar a brilhante ironia de Marcelo Flores. Todos excelente!

Se eu sou eu, porque eu sou eu, e você é você, porque você é você, então eu sou eu e você é você. Mas... se eu sou eu, porque você é você, e você é você porque eu sou eu, então eu não sou eu, e você não é você." - parte do texto da peça. Para refletir durante o dia.

Amigos brigam, sentem ciúme, inveja, falam mal. Mas no fundo se adoram. Não conseguem se desfazer um do outro. É pra sempre. Amigos são o nosso bem mais precioso. Os meus são. Espetáculo para ganhar todos os prêmios de teatro da temporada. Imperdível.

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