sábado, 29 de setembro de 2012

MULHERES DE MUSICAL



Alguns artistas nem sabem o quanto de fãs e seguidores anônimos possuem. Sou um desses anônimos. Bem... a partir de agora não serei mais... A primeira vez que a vi foi em “Company”, no Teatro Villa Lobos. Lembro que na época este foi considerado um marco. A partir daquele espetáculo deu-se a invasão americana do musical aos palcos cariocas. Claro que outros já haviam sido feitos anteriormente, mas foi ali que começamos a conhecer o que a Broadway tinha a dizer, só que com sotaque brasileiro. 

Ela estava no palco. Fiquei hipnotizado. Torcia para que o próximo numero musical fosse apenas com ela. E quando sim, eu vibrava. Depois pesquisei quem era e soube que no musical “Somos irmãs”, contanto a vida das irmãs cantoras Linda e Dircinha Batista, ela estivera presente no palco, mas eu ausente na plateia. Perdi. Daí em diante, quando era possível vê-la no palco, lá ia eu correndo! Lembro muito da japonesa de “Avenida Q” e de “Judy Garland”, para citar os mais recentes.

Quando conheci João Máximo, em um projeto sobre cinema no CCBB, almoçamos no Largo do Machado e o assunto foi Musical de Teatro. Falamos de todos os que gostamos e desgostamos, até que chegamos na história de Claudio Botelho e ela, quando montaram o musical brasileiro, “Na Bagunça do seu Coração”. João Máximo sugeriu a história e o roteiro e ambos embarcaram. Mas bem antes disso, em “Hello Gershwin”,  a dupla esteve no palco do Teatro Ipanema e, só assistindo ao espetáculo em cartaz no Teatro Net Rio, “Mulheres de Musical”, soube que havia no máximo 12 pessoas na plateia. Isso em 1991. Isso porque eu não a conhecia, se não seriam 13.

Ela, em questão, chama-se Claudia Netto e está no palco, agora em voo solo. Na peça, “Mulheres de Musical”, que tem versões de Claudio Botelho e roteiro de Cláudia Netto, que também assina os textos com o diretor Paulo Afonso de Lima, Claudia comemora seu aniversário e alguns anos de palco. A costura deste espetáculo está toda em cima dos grandes trabalhos de cantora e atriz que Claudia fez no teatro. Das músicas de “Somos Irmãs”, passando pela Japa de “Avenida Q” até o grand finale “There’s no Business like Show Business”, o roteiro reúne as mais felizes interpretações na voz de Claudia Netto para os musicais brasileiros.

Paulo Afonso de Lima é um mestre. Sabe tudo de teatro, de comédia, de musical. Paulo Afonso indica soluções, acerta na ordem das musicas, no momento de alegria e tristeza, nas piadas com as atrizes que fazem audições de teste, utiliza todo o palco com uma movimentação segura e correta. Não é à toa que Bibi Ferreira confia nele plenamente. Claudio Botelho e Charles Möeller são discípulos de Paulo Afonso. Quer maior aval do que este? Tive imenso prazer em trabalhar com Paulo Afonso em dois projetos, que, confesso, não estavam à altura de seu talento, mas ele encarou como se fossem a melhor montagem do mundo. Obrigado Paulo.


O figurino de Marcelo Marques é lindo. Elegante e de bom gosto (como sempre), fez com que Cláudia Netto, em dia de estreia, comentasse que “ele me deixou como uma princesa”. A luz de Paulo Cesar Medeiros apoia o espetáculo com sombras e cores que fazem do espetáculo a festa necessária. Arranjos de Marcelo Farias e músicos (Marcio Romano, Omar Cavalheiro, Watson Farias e Marcelo Farias) em cena estão afinadíssimos com o diretor e, principalmente, com Claudia Netto. Não podemos esquecer o simples e funcional cenário de Beto Carramanhos que também assina o visagismo e assistência de direção.

Eu adoro musicais. Basta estrear e lá estou na plateia. Em recente estreia de outro musical, no Shopping da Gávea, Claudia Netto sentou-se ao meu lado. Fiquei naquela de “falo, ou não falo com ela?”, “digo que sou fã e que vejo tudo que ela faz, ou fico calado para não incomodar?”. Não falei nada. Mas ao longo daquele espetáculo observei de rabo de olho seus gestuais e vi a sua vontade de subir ao palco para defender certas canções. Na saída, um simples “tchau” com sorriso e fui embora sem dizer o quanto sou fã.

Quando fui convidado para estreia de "Mulheres de Musical", fiquei feliz e emocionado. Pensei que desta vez eu venceria a timidez e chegaria perto oficialmente. Além de dar os parabéns pelo aniversário, eu diria “sou seu fão” (como costumo brincar). Atrás de mim, durante toda a récita, Rogéria obrigava aos amigos em volta a gritarem palavras de pura emoção que ela não conseguia pronunciar por causa da rouquidão. Até eu gritei!

Claudia acabou a apresentação, cantamos na plateia parabéns (afinadinhos, pois o momento exigia isto), aguardei sua saída após a retirada da maquiagem e figurino, mas não tive coragem de chegar perto para abraçar e dizer a frase ensaiada. Os familiares e amigos de longa data tinham prioridade. Pois, digo agora, por escrito: Claudia, feliz aniversário, parabéns pelo seu excelente trabalho nesta peça e em todas as anteriores. Sou seu fão.

Recomendo que assistam ao espetáculo, em cartaz quartas e quintas no Theatro Net Rio (A Casa dos Sucessos, com já chamo o local), para parabenizarem Claudia Netto por mais um excelente trabalho, onde toda sua carreira nos é presenteada. Para os fãs, espetáculo obrigatório. Para os amantes dos musicais, espetáculo necessário. Para os viciados em teatro, um momento de grande alegria e prazer.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

NOVELA BRASIL



No primeiro dia em que entrei no Projac, dia 18 de setembro de 1997, para uma entrevista, encontrei Bussunda vestido de “Capitão Caverna”. Na época, a gravação do Casseta era no galpão da, hoje, fábrica de figurinos. Há 15 anos, direto do Túnel do Tempo. Neste dia conheci a cidade cenográfica e os estúdios de “A Indomada” ... choque. Fiquei sem fala. Eu precisava trabalhar naquele universo. E foram 11 anos de árduo trabalho entre estúdios, fabrica de cenários, cidades cenográficas e externas. Antigamente assistia compulsivamente às novelas boas. Depois, de tanto ver os estúdios, passei a olhar para a tela em busca de algum erro que o telespectador pudesse criticar.


A história da telenovela se confunde com a da televisão brasileira. No livro do Boni esta tudo lá para quem quiser saber. Mauro Alencar, pesquisador e expert no assunto também lançou um livro com tudo. Mas ninguém melhor que o público para dizer, falar, citar, comentar, criticar, abandonar e amar novelas. 

Rodrigo Fagundes e Wendell Bendelak são representantes desta classe fiel às tramas televisivas. Em recente entrevista, Rodrigo contou sobre sua paixão pelo tema e personagens, especialmente por “Avenida Brasil”. Wendell já havia mostrado seu amor quando interpretou na peça “Surto” a Professora de Teatro, num brilhante texto envolvendo nomes de novelas e atores.

Graças às facilidades tecnológicas, ao São Youtube e às produtoras independentes, Rodrigo e Wendell juntaram-se à produtora Parafernalha e criaram para o site a série de humor “Novela Brasil” - cujo nome já diz tudo, uma homenagem às telenovelas - tendo por base o sucesso atual da novela das oito (Não adianta que não vou mudar para novela das nove. Pra mim será sempre novela das oito).

Tiro o chapéu e faço reverências para quem empurra o mundo pra frente. Rodrigo e Wendell são dois criativos atores/escritores que empurram seus mundos pra frente. Não se acomodam. Depois do mega sucesso de “Surto”, ainda em cartaz, produziram “Mamãe Não Pode Saber” de João Falcão. E agora, ainda na linha do humor, nos brindam com “Novela Brasil” na internet, mundo onde o povo escolhe quem será o sucesso da vez. Na sequencia de virais famosos como Suzan Boyle, Cada um no seu quadrado, Stephany, “Que deselegante”, Sanduiche-iche, “Neste verão resolvi fazer algo de diferente”, “Menos Luiza, que está no Canadá”,  entre tantos outros, Rodrigo e Wendell, foram os escolhidos dos últimos dois meses para brilharem nas redes sociais.

Mas o assunto é teatro. E eles, empurrando o mundo mais uma vez para frente, montaram a peça “Novela Brasil”, em cartaz na sala Paulo Pontes do Theatro Net Rio (a casa dos sucessos, não é, Frederico Reder?). No palco estão partes dos textos utilizados para os vídeos no Youtube e mais uma pitada de outras novelas. Com a parceria de José Alexandre, o texto é divertido, mas pra quem acompanha a série na internet, falta uma pitadinha de sal e pimenta. Porém o que deve ser aplaudido neste espetáculo é a homenagem às telenovelas. O trio de autores reúne o que existe de mais representativo na TV, nos três horários e, numa salada mista de bom gosto, incluíram de Juma Marruá à Dona Beja, de Dona Benta ao vampiro Vlad, com a presença de Perpétua e Nazareth Tedesco. Claro que com o apoio de Tufão, Carminha, Ágata, Nina... enfim, assistam à peça e descubram outros personagens.

No elenco, Rodrigo Fagundes interpreta um Leleco e uma Carminha inesquecíveis; Wendell Bendelak faz de sua Nina e Gabriela suas velhas amigas; Flavia Guedes como Juma Marruá é impagável, bem como sua Suelen; José Alexandre com sua imitação de Tufão e o Vampiro Vlad arranca gargalhadas da plateia; Renato Bavier dá um show como Max e Nazareth Tedesco; e, não menos importante, Bia Guedes arrasa como Ivana e Perpétua. Essa turma representa o que de melhor temos no teatro carioca de humor hoje em dia.

Na direção, Alina Lyra e Wendell tiveram trabalho para arrumar a casa e fazer a história fluir. O tanto de criatividade dessa turma conduziria a trama para vários lugares comuns, mas eles foram firmes e seguiram o roteiro proposto, limpando excessos e liberando o caco no momento certo. No cenário e figurinos, Wanda Batista acerta em cheio. Simplicidade e referencias exatas. A luz de Paulo Roberto Moreira é o necessário para que os atores possam brilhar à vontade. E a trilha sonora de Tarso Gusmão é baseada em novelas e em sonoplastia importante para suspense e humor.

“Novela Brasil” é um espetáculo divertido e atual. Se existe algum receio de que, após o término de “Avenida Brasil”, os personagens se percam na memória do público, o resposta é que outros vilões e mocinhas estarão nas telinhas e basta incluí-los nesta “Novela Brasil” que a peça segue a sua estrada. Uma ótima homenagem às telenovelas, onde recordamos os bons personagens. A todos meus votos de sucesso e vida longa. Parabéns a vocês por empurrarem o mundo para frente e não esperarem que ninguém bata às suas portas oferecendo o sucesso. Este chegará em reconhecimento aos seus trabalhos. Espetáculo para rir e se divertir muito.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

PINTERESCO


Sempre que estreia um novo espetáculo de Harold Pinter no Rio é imediata a associação ao grande Ary Coslov. Acompanho sua paixão por este autor. Ary é o porta-voz de Pinter no Brasil. Estudioso e curioso, resolveu levar ao palco do Teatro Solar de Botafogo, um espaço que tive o prazer de produzir uma temporada da peça infantil “O Casamento de Dona Baratinha”, duas montagens deste autor. A primeira, “Traição”, rendeu o Prêmio Shell de melhor direção para Ary. E para o Solar de Botafogo, rendeu seu maior sucesso. E agora, “Pinteresco”, com 12 esquetes do início da carreira de Pinter, é o espetáculo da vez.

Encarei os textos como uma forma de exercício para os atores. Falar sobre o cotidiano, como tentamos nos comunicar - e às vezes não conseguimos êxito, pois cada um está olhando para seu próprio umbigo ao invés de se doar ao outro -; como gastamos saliva para dizer um simples “sim” ou “não”; como temos que falar além da conta para que nossa opinião seja ouvida.

Na montagem atual fica clara a ironia política quando, em um dos quadros, o novo ministro da cultura é um ex-secretario de segurança; a critica social sobre “tomar conta da vida dos outros” presente na conversa entre duas senhorinhas sentadas à mesa numa tarde qualquer. Está também presente a atriz que tenta de todas as formas agradar ao seu publico contando casos de sua mãe; um hilário ataque de moralidade de uma mulher que se insinua para um homem num ponto de ônibus e, quando ele se mostra indiferente, ela o ataca aos gritos acusando-o de assédio. Gosto também do chefe opressor que pergunta ao funcionário como vão as vendas de um determinado produto - cujo nonsense dos nomes dos produtos é a grande sacada do esquete.  E uma brilhante cena onde os sequestradores torturam um homem, porém a maior tortura é a da comunicabilidade.Tudo com humor e inteligência.

A tradução de Jacqueline Laurence e Isio Gelman é bem adaptada para o português brasileiro com nossas nuances verbais. O cenário de Marcos Flaksman, elegante como sempre, nos mostra um camarim ao fundo do palco separado pela área de atuação por uma tela translucida. Em cena apenas o necessário: mesa e duas cadeiras. Ary ainda brinca com o a montagem das cenas feitas pelos próprios atores. O figurino de Kika Lopes são muito elegantes e bonitos. Aurélio de Simone cria uma luz tão bela que entre as pausas do texto, e principalmente no fim das cenas, temos uma fotografia linda no palco, uma pintura. Tudo isso, como um delicioso glacê de bolo, temos a trilha sonora assinada por Ary Coslov.

Claro que a direção não poderia ser mais elegante, criativa e correta. Ary sabe, desde que começa a ler o texto, o que fazer com cada personagem. Ele, como co-autor de Pinter, dá vida aos personagens através dos gestuais dos atores, olhares de soslaio, afastar de corpos, virar de cabeças. É tudo Ary quem comanda. A transição das cenas, o explorar de cada palavra, a utilização de todo o palco a favor do texto, sem pressa, com segurança e elegância. Alias, Ary é sinônimo de elegância, generosidade e inteligência. Mais um trabalho que certamente será indicado a um prêmio teatral.

Mas nada disso seria possível se não fosse a entrega completa do elenco. Alice Borges, Marina Vianna, Leonardo Franco e Sávio Moll estão excelentes. Embarcam em Pinter, acreditam no diretor, seguem à risca as marcas e o resultado não poderia ser diferente. Alice Borges tem o poder de usar a comédia a seu favor. Fazer o patético em cena é dificílimo e Alice faz com primor. Marina Vianna tem para si a voz grave e segura que a torna a dona da história quando fala. Leonardo Franco mostra a força de sua presença em cena com simples gestos e olhares, dominando o palco, vivendo as cenas. Savio Moll tem a seu favor o molejo de seu corpo, brincando com isto para dar vida aos personagens. Tenho certeza que o elenco se diverte muito, dentro e fora de cena. Repetem as mesmas frases, porém com entonações diferentes e o público entende o jogo da mudança.

Quando li o titulo, primeiramente pensei em “pitoresco”. Fui ao Google - pedi ajuda à Nossa Senhora de Wikipedia e ao bom e velho Aurelinho - e lá diz que “Pitoresco é um conceito da estética que faz referência às impressões subjetivas desencadeadas pela contemplação de uma cena paisagística em relação à pintura. Surgiu como um intermediário entre as ideias do sublime e do belo, durante o desenvolvimento do Romantismo. A palavra deriva do italiano pittoresco, ‘semelhante ou feito como uma pintura’.”. Pois minha suposição estava certa. O espetáculo “Pinteresco” é semelhante a uma pintura, uma contemplações de cenas, situadas no intervalo entre o sublime e o belo.