terça-feira, 16 de abril de 2013

AS MULHERES DE GREY GARDENS

Acompanhei os últimos 25 anos de vida da minha avó, pianista famosa na infância, que teve todos os seus desejos e mimos realizados pelo pai. A menos um: estudar piano fora do Brasil. Para minha avó, musica clássica era o bom, o resto era barulho. Casou-se. Nasceu mamãe. Parou de dar concertos no Theatro Municipal pois desenvolveu pânico de entrar em cena. Culpou meu avô, minha mãe e seu próprio pai por não terem lhe dado limites. Muita culpa para uma mulher perdida. Separou-se, viveu sozinha, dava aulas de piano, até eu entrei nas teclas de marfim de seu piano Essenfelder. Mamãe conta que durante toda sua infância, adolescência, idade adulta, vovó a torturava psicologicamente. Acompanhei muitas destas torturas ao vivo. Anos mais tarde, quase aos 70, casou-se com um médico, paixão de infância. Torturou este homem (era um banana, péssimo marido) até a separação dele, aos 85 anos. Seu novo ex-marido de 88 anos recusara a pagar um pano de saúde para ela que morreu num hospital publico após quebrar o fêmur aos 89 anos. 

Gosto sempre de ligar os espetáculos que assisto à minha história pessoal. Por isto o relato acima. Em “As Mulheres de Grey Gardens”, assistimos a um musical sobre a vida turbulenta, relação doentia, entre uma mãe Edith, cantora e pianista mimada por todos, e sua filha Edie. A mãe, artista inconsequente, muito mimada, não sabe do mundo que a cerca. A filha segue o mesmo caminho. A culpa não é de nenhuma das duas e sim do modo de viver da sociedade da época. Vivem nababescamente as custas de maridos e parentes. Até que a fonte seca e ambas passam a conviver sob um teto aos escombros e diversos gatos. A mãe tortura a filha por comida e atenção. A filha tortura a mãe por falta de atenção e frustações na sua vida. 

No palco da Sala Baden Powell, Suely Franco e Soraya Ravenle vivem mãe e filha e a relação torturante. Ambas ótimas em cena, cantando e se movimentando com precisão, vozes afinadas. Total simbiose. Ficamos atônitos com a interpretação de Suely Franco e o carisma de Soraya Ravenle. Ainda no palco, Jorge Maya e sua belíssima voz interpreta o fiel mordomo na primeira parte do espetáculo, que tem também os talentosos Carol Puntel como Edie mais nova, Guilherme Terra o personal-pianista, Sandro Christopher pai de Edith, e Pierre Baitelli como o irmão do futuro presidente Kennedy. Raquel Bonfante dá vida à Jacqueline Kennedy e Sofia Viamonte sua irmã. Ambas primas/sobrinhas da família turbulenta. Danilo Timm interpreta o amigo Jerry que em troca de abrigo por uma noite abastece a casa de alimentos. 

 A direção de Wolf Maya é inteligente na utilização dos planos do pequeno espaço cênico, nos confrontos familiares, onde deixa os atores caminharem por dolorosos momentos de tortura psicológica. Direção segura para quem domina a arte dos musicais faz tempo! 

 Na parte técnica, o figurino de Marta Reis é bonito, colorido o suficiente, de acordo com as épocas. A luz de Luiz Paulo Neném é parceira da beleza do espetáculo, valorizando as cenas e em total harmonia com o cenário. A coreografia de Marcia Rubim e a preparação vocal de Mirna Rubim auxiliam com competência a direção do espetáculo. 

Como de costume, deixo por ultimo o que mais me chama a atenção e desta vez o belíssimo, grandioso e criativo cenário de Bia Junqueira é a grande vedete do espetáculo. Como a peça tem dois atos, no primeiro vemos uma casa rica dos anos 40. No segundo a decadência total desta casa, com restos de moveis, roupas, sacos, madeiras, lixo espalhado que, avolumado, sustentam num segundo plano o quarto de Edith totalmente destruído pelo tempo. Uma maravilha também as projeções que envolvem todo o palco. Ora jardim, ora janela, ora paredes destruídas. 

 Para os amantes do bom espetáculo, do musical de qualidade, As Mulheres de Grey Gardens é uma ótima opção de espetáculo para estas ultimas duas semanas em cartaz. Parabéns a toda equipe por esta excelente produção.

Um comentário:

Ida Vicenzia disse...

Marcelo,

eis aí uma maneira gostosa de se referir a um espetáculo! Você, por acaso, já fez estágio nos EUA e leu aqueles críticos fabulosos? Seu estilo é tão parecido com os críticos de lá! Sem pretensões de técnica, vai narrando o que lhe comoveu ou não, e consegue transmitir uma visão, como direi, sofisticada, grand monde até (sei que essa não é a sua intensão) do que viu e de como traduziu o que se quis mostrar!
Amei! Ida