domingo, 19 de maio de 2013

PAI



Relação com pai é um assunto delicado para mim. Perdi o meu faz quase 2 anos. Na época me senti órfão. “Agora tenho que caminhar com menos um apoio”. Não que o meu pai fosse um exemplo. Nunca foi meu super-homem, nunca foi uma inspiração. Nunca tivemos conversas sobre sua vida, nunca soube de seus medos, seus sonhos que não foram realizados, suas frustrações. Graças a minha terapia, e ao bom senso adquirido, esses “nuncas” entre mim e papai nunca me fizeram ficar triste. Era assim: um “oi” ao chegar e um “tchau” ao sair. E tudo bem. Nunca doeu. Só lamento ele não ter me deixado conhecê-lo. Lamento muito por ele.

Em cartaz no Galpão das Artes, no Espaço Tom Jobim, o espetáculo "Pai", de Cristina Mutarelli. A peça é um turbilhão de sentimentos e passagens na vida de uma mulher, Alzira, que conta brevemente as situações mais importantes e marcantes vividas com seu pai. Ao visitá-lo, Alzira entra num espaço cênico, a principio indefinido, e tem uma conversa séria com seu progenitor. Cenas do passado se revelam, histórias pesadas, de família, sentimentos guardados. Um texto muito rico e criativo, bastante pertinente, oferecendo à atriz e ao diretor um material rico para ser aproveitado. Poucas vezes vejo um texto tão gostoso de ser encenado quanto este. Adorei. Aplauso de pé.

O cenário, de Nello Marrese e Natália Lana, lembra uma residência abandonada à sorte, ao pó, representado pela montanha de areia, pó grosso, espesso, de difícil remoção. Assim como as dores e passagens narradas e interpretadas pela personagem Alzira. O figurino assinado pela atriz é bastante elegante e perfeito. Gosto muito da iluminação de Elisa Tandeta, que faz da luz espaços cênicos, permitindo sombras maquiavélicas e opressoras nas paredes laterais, um corredor-calçada de rua. Ótima luz. Gosto muito da trilha sonora incidental e das músicas escolhidas.

Nos dias de hoje dizer que um espetáculo é ótimo, não basta. Temos que utilizar da hipérbole, do superlativo, para garantir a quem nos lê/escuta que estamos muito impressionados com aquele trabalho. Então, lá vai: a direção de Bruce Gomlevsky é ótima, criativa, correta, inteligente, bárbara (piada interna). Ele consegue tirar o que de melhor tem a atriz, consegue utilizar-se das opções do cenário, luz e figurino, aproveita cada canto do palco, as pausas necessárias, bem como o silêncio. Impõe ao espetáculo um ritmo na medida certa, com marcações precisas.

Bem como a direção, a interpretação de Rita Elmôr é impecável, excelente, brilhante, foda. Pronto, entenderam o que quero dizer, né? Rita consegue alternar personagens, utilizar sua verve cômica e sua seriedade extrema. Rita vai do sotaque nordestino ao ódio. Da menininha, ao avô, num fôlego só. Sua cena do velho passeando com o cachorro chihuahua numa calçada qualquer é brilhante, impagável. Fiquei boquiaberto. Aplausos também na cena do velório do avô. Rita é incrível. Olhei em seus olhos e disse: "O que mais dizer para você além de 'brilhante'”?. Estivemos juntos num espetáculo em 2007 e desde então minha admiração, carinho e respeito por ela só aumentam.

Não gosto de ser exagerado ao opinar sobre um trabalho, mas neste momento, a emoção pós-peça exige. Faltou luz no teatro no final da récita e Rita teve um insight resolvendo a falta de luz, sem parar o texto. Os Deuses do Teatro devem ter gostado e trouxeram a luz necessária para o término do espetáculo. Raramente uso a expressão "arrebatadora". Daquelas que me fazem ficar de boca aberta com vontade de aplaudir a cada fim de cena. Pois aqui, neste momento digo que encontrei em "Pai" um desses trabalhos arrebatadores. Com mais 4 finais de semana pela frente, tire um tempo e vá conferir de perto este espetáculo. Nada mais gratificante para quem gosta de Teatro do que assistir a um trabalho digno, de qualidade e que só tem a acrescentar a todos nós. Aplausos hiperbólicos e exagerados!

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