sexta-feira, 15 de novembro de 2013

ELIS, A MUSICAL


Era janeiro, férias em Iguaba. Tínhamos uma vitrolinha “de mão”, vermelha desbotada. Os discos vinham na mesma sacola. A cada viagem, uns 20. Nana Caymmi não faltava, Milton era obrigatório. Jobim, necessário. Elis “comparecia” com o disco “Essa Mulher”. Estávamos na varanda quando chegou a notícia. Não mais Elis entre nós. Não mais... Daquele ponto em diante, Essa Mulher não saiu mais da vitrola. Tocou uma semana seguida, sem parar. No Jornal Nacional, os depoimentos. Mamãe, Papai, Tio Zé e Tia Cristina, chocados. Eu não tinha muita noção do que acontecia, mas sabia que algo tinha sido grave. A perda teria sido absurda.


Ao longo desses meus 41, vim descobrindo Elis. Ouvia, ouço e ouvirei para sempre. Papai tocava contra-baixo e, em festas na casa de amigos na Tijuca, me apresentou Luizão, o baixista da Elis. Eu ali, naquele meio, olhando, imaginando, sonhando. Tenho inveja dos amigos que assistiram ao Falso Brilhante, ao Circo Místico. Queria ter visto Elis ao vivo. Abraçado, beijado sua mão, como hoje em dia faço com quem admiro, graças às produções culturais que trabalho. Elis é a perfeição. É a competência. É o exemplo a ser seguido de objetivo, buscado e alcançado. Ela queria ser a maior, melhor, cantora do Brasil. Sorry, periferia. Ainda é. Sim, tenho a minha cantora favorita, não escondo meu amor por Nana Caymmi, sua voz, sua personalidade, seu timbre. Mas Elis... Elis... Elis... como diria Shakespeare, “Todo o resto é silêncio”.

Felizmente Elis voltou para nós, em formato de musical de teatro, no Oi Casagrande, aqui no Rio. Com o texto de Nelson Mota e Patrícia Andrade, a peça retrata, em flashes, os melhores momentos musicais da cantora, e suas relações amorosas e familiares com Ronaldo Boscoli e Cesar Camargo Mariano. Sua passagem pelas boates do Beco das Garrafas, a vinda para o Rio, os shows na Europa, Miéle, Carlos Imperial, Jair Rodrigues, Tv Record. Um acerto foi ter evitado falar na morte, como se deu o acontecido. Elis sai de cena, o banco fica vazio, a cortina se fecha. Tudo dito. Lágrimas e aplausos.

Dirigida por Dênis Carvalho, o nome já diz: é um espetáculo! Ágil quando precisa, minimalista quando pede, grande quando fala dos shows e apresentações, pequeno quando é depoimento. Gosto muito da direção. Acho criativa, moderna, saindo muito do que estamos acostumados a ver no teatro e trazendo um olhar televisivo, aproveitando coreografias para montar cenário de maneira nova, tirando do lugar comum boleros, dramas. Trocando a posição real na história de músicas consagradas, como no caso de Atrás da Porta e Vou Deitar e Rolar. Dênis traz parte dos musicais da Broadway (coreografias e côro) para o musical brasileiro (músicas, arranjos e interpretações). E consegue um casamento perfeito entre o “lá de fora” com o “brasileiríssimo”.

 

O repertório conta com os melhores sucessos de Elis. Claro que desejamos esta ou aquela música, por pura vaidade, pois é a que mais se gosta. Eu adoraria ter ouvido Bolero de Satã, mas Dois Pra Lá, Dois Pra Cá me alimentou a saudade, e me acalmou a ausência. O Bêbado e o Equilibrista, Arrastão, Ladeira da Preguiça, Águas de Março, Madalena... vou esquecer várias. As principais e marcantes estão lá.

Cenário ótimo. O necessário para um musical competente, como este. Telas de LED ao fundo dando profundidade e colorido. Mesas, cadeiras e sofás entrando e saindo sobre rodas e plataformas. Adereços dançantes. O figurino de acordo com a época, bonitos, recriando vestidos de Elis. Caracterização perfeita, transformam a atriz em Elis. Luz: céus, uma das melhores do ano!! Músicos: reverência e aplausos. Coreografia impecável!


O elenco é muito grande, seria educado e generoso escrever o nome de todos, pois me deram de presente assisti-los, mas aqui vão os nomes principais. Ícaro Silva, brilhante como sempre, muito amadurecido, interpreta Jair Rodrigues com verdade, emoção e entrega. Canta, atua e dança com perfeição! Cláudio Lins, como Cesar Camargo Mariano, ótimo! Sua interpretação de Trem Azul é de arrepiar! Felipe Camargo, como Ronaldo Boscoli, está muito bem na pele do cafajeste marido. Natural, engraçado e seguro, a surpresa da noite. Nunca tinha visto Felipe em teatro e gostei muito.

Laila Garin... Laila Garin... Laila Garin... sua atuação como Elis é impecável. Mais que uma homenagem, Laila nos traz Elis de volta. Sem querer superar, ou incorporar a cantora, Laila interpreta Elis com dedicação, atenta aos gestos, timbre de voz, agudos, gênio, força e garra. Emocionante ver Laila cantando. Seus solos são aplaudidos, quase que de pé, pelo público durante a peça. Ovação é pouco. Emoção pura. Laila Garin, que já conheço de outros musicais, como “Gonzagão, a Lenda” e “Eu Te Amo, Mesmo Assim”, está irrepreensível. Está perfeita. Canta muito! Emoção, lágrimas e aplausos. Prêmio Shell e APTR se fazem obrigatórios para ela.


É duro saber que Elis não vai cantar novas e belas canções. É triste. Elis tinha que estar aqui, agora, já. Mas é muito bom saber que existem iniciativas como esta, da Aventura, em trazer Elis para nós. Ainda sob a emoção de ontem, dormi pouco e posso estar emocionado, sonado, atordoado com o que assisti. Portanto, declaro, para os devidos fins, que este é, sem dúvida, o melhor espetáculo musical brasileiro já realizado em homenagem a uma figura da música brasileira. É... Elis. É... Laila. É... Dênis. Depois de vocês, depois do que vi ontem, e certamente verei de novo, todo o resto é silêncio... "Elis, A Musical" é imperdível, sem dúvida alguma.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

FELIZ POR NADA


Felicidade incomoda. Uma pesquisa recente mostrou que pessoas ficam com inveja e raiva de posts de amigos nas redes sociais. Algumas pessoas são felizes por nada. Por nada, não. Por tudo. Conheço gente que ama a vida profissional que tem. Ao ponto de não precisarem de um amor de verdade, um "outro", para suprirem suas carências, visto que a felicidade consigo mesmo, o auto reconhecimento, é tanta, que a pessoa é feliz e pronto. Muitos vão dizer que a dedicação extrema ao trabalho é fuga do amor. Não acho. Pra mim, tem gente que veio nesta encarnação pra trabalhar, outros para resolver problemas amorosos. Faço parte dos que vieram para trabalhar e, por isto, sou feliz. Às vezes, feliz por nada. Ao mesmo tempo, por tudo que conquistei, que me proporcionei, que ofereci aos próximos. Nasci para produzir cultura e oferecer, se possível de graça, shows, teatro, eventos literários e exposições para quem não tem acesso. Sou feliz.

Partindo do princípio que AMO Martha Medeiros, fã de carteirinha mesmo, seguidor, leio sempre suas crônicas aos domingos, tenho muitos dos seus livros, alguns até autografados, e já tive o privilégio de jantar com a presença da Martha na mesma mesa. Um prazer! Sua lucidez e capacidade de dizer coisas sobre o dia a dia, que muitas vezes não sabemos como falar, mas ela consegue dizer. E é isso que me encanta.

Em cartaz no Teatro das Artes, a peça “Feliz por nada”. Tendo por base o livro de Martha Medeiros, Regiana Antonini faz uma adaptação excelente do livro para o palco. Fluente e segura, criou uma peça com diálogos rápidos e sinceros, pequenos monólogos explicativos, na medida certa, e a condução para um final de acordo com o que esperamos que seja.

Duas mulheres: uma casada, infeliz, mas com marido. A outra independente. Feliz, mas sem marido. A casada, reclama que não alcançou nada na vida. Viveu para os outros. A feliz, diz que lhe falta um companheiro, mas mesmo assim é uma mulher feliz. Por nada. Questões sobre a busca de uma vida própria e a busca de um parceiro ideal é o caminho do espetáculo. Claro que uma situação importante na peça gera todo o clímax capaz de deixar as duas mulheres à beira de um precipício sobre a felicidade que buscam.

A direção de Ernesto Píccolo é muito interessante. Optando por dar valor à palavra, conduz os atores por um palco vazio, porém nem sentimos a necessidade de cenário. A interpretação fala mais alto. E é nisso que eu acredito para um bom teatro: texto, palavra e ator. Como cenógrafo, jamais poderia dizer a frase acima, mas têm peças que não precisam de cenário e Feliz Por Nada é dessas. Píccolo é genial neste tipo de espetáculo e, neste terceiro texto de Martha Medeiros em suas mãos, tem um domínio total de cada frase e posicionamento em cena do elenco.

O figurino de Helena Araújo é bonito pra caramba e está 100% de acordo com as características das personagens. A luz de Aurélio de Simoni facilita a compreensão dos ambientes e ilustra os curtos monólogos. A trilha do Rodrigo Penna é sempre genial.

No palco, Cristiana Oliveira e Luiza Thiré duelam pela melhor interpretação, mas não há guerra. Há cumplicidade e parceria. Ambas estão excelentes e lindas em cena. As falas, o texto, é dito com verdade e nos convencem desde o primeiro entrar em cena. Aplausos de pé. Certamente duas das melhores interpretações de teatro de 2013. Gil Hernandez, também muito bem em cena, é o marido que dá a liga entre as histórias das duas mulheres. Mas a peça é delas. É um texto para mostrar a cumplicidade feminina e esta informação nos é passada com respeito e competência.

Aplausos para Rogério Fabiano que teve a brilhante sacada de levar este texto ao teatro, valorizando os atores, a palavra, o livro, a língua portuguesa, e a questão da felicidade nos dias de hoje. Não perca, vá já pro teatro.