terça-feira, 5 de novembro de 2013

FELIZ POR NADA


Felicidade incomoda. Uma pesquisa recente mostrou que pessoas ficam com inveja e raiva de posts de amigos nas redes sociais. Algumas pessoas são felizes por nada. Por nada, não. Por tudo. Conheço gente que ama a vida profissional que tem. Ao ponto de não precisarem de um amor de verdade, um "outro", para suprirem suas carências, visto que a felicidade consigo mesmo, o auto reconhecimento, é tanta, que a pessoa é feliz e pronto. Muitos vão dizer que a dedicação extrema ao trabalho é fuga do amor. Não acho. Pra mim, tem gente que veio nesta encarnação pra trabalhar, outros para resolver problemas amorosos. Faço parte dos que vieram para trabalhar e, por isto, sou feliz. Às vezes, feliz por nada. Ao mesmo tempo, por tudo que conquistei, que me proporcionei, que ofereci aos próximos. Nasci para produzir cultura e oferecer, se possível de graça, shows, teatro, eventos literários e exposições para quem não tem acesso. Sou feliz.

Partindo do princípio que AMO Martha Medeiros, fã de carteirinha mesmo, seguidor, leio sempre suas crônicas aos domingos, tenho muitos dos seus livros, alguns até autografados, e já tive o privilégio de jantar com a presença da Martha na mesma mesa. Um prazer! Sua lucidez e capacidade de dizer coisas sobre o dia a dia, que muitas vezes não sabemos como falar, mas ela consegue dizer. E é isso que me encanta.

Em cartaz no Teatro das Artes, a peça “Feliz por nada”. Tendo por base o livro de Martha Medeiros, Regiana Antonini faz uma adaptação excelente do livro para o palco. Fluente e segura, criou uma peça com diálogos rápidos e sinceros, pequenos monólogos explicativos, na medida certa, e a condução para um final de acordo com o que esperamos que seja.

Duas mulheres: uma casada, infeliz, mas com marido. A outra independente. Feliz, mas sem marido. A casada, reclama que não alcançou nada na vida. Viveu para os outros. A feliz, diz que lhe falta um companheiro, mas mesmo assim é uma mulher feliz. Por nada. Questões sobre a busca de uma vida própria e a busca de um parceiro ideal é o caminho do espetáculo. Claro que uma situação importante na peça gera todo o clímax capaz de deixar as duas mulheres à beira de um precipício sobre a felicidade que buscam.

A direção de Ernesto Píccolo é muito interessante. Optando por dar valor à palavra, conduz os atores por um palco vazio, porém nem sentimos a necessidade de cenário. A interpretação fala mais alto. E é nisso que eu acredito para um bom teatro: texto, palavra e ator. Como cenógrafo, jamais poderia dizer a frase acima, mas têm peças que não precisam de cenário e Feliz Por Nada é dessas. Píccolo é genial neste tipo de espetáculo e, neste terceiro texto de Martha Medeiros em suas mãos, tem um domínio total de cada frase e posicionamento em cena do elenco.

O figurino de Helena Araújo é bonito pra caramba e está 100% de acordo com as características das personagens. A luz de Aurélio de Simoni facilita a compreensão dos ambientes e ilustra os curtos monólogos. A trilha do Rodrigo Penna é sempre genial.

No palco, Cristiana Oliveira e Luiza Thiré duelam pela melhor interpretação, mas não há guerra. Há cumplicidade e parceria. Ambas estão excelentes e lindas em cena. As falas, o texto, é dito com verdade e nos convencem desde o primeiro entrar em cena. Aplausos de pé. Certamente duas das melhores interpretações de teatro de 2013. Gil Hernandez, também muito bem em cena, é o marido que dá a liga entre as histórias das duas mulheres. Mas a peça é delas. É um texto para mostrar a cumplicidade feminina e esta informação nos é passada com respeito e competência.

Aplausos para Rogério Fabiano que teve a brilhante sacada de levar este texto ao teatro, valorizando os atores, a palavra, o livro, a língua portuguesa, e a questão da felicidade nos dias de hoje. Não perca, vá já pro teatro.

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