quinta-feira, 21 de agosto de 2014

BOCA MOLHADA DE PAIXÃO CALADA


Com a ausência do teatro Candido Mendes da cena teatral carioca, o teatro do Porão da Casa de Cultura Laura Alvim se firmou como celeiro de bons espetáculos que seguem vida longa após temporada ali. Chamada de Sala Rogério Cardoso, espetáculos como “Os Pândegos”, "Quebra Ossos”, “Oscar e a senhora Rosa”, “Quando as Máquinas Param”, entre outras, colheram ótimas críticas pela qualidade apresentada ao público em um espaço tão pequeno.

A vez (de novo!) é da Cia Escaramucha que agora ocupa o espaço com o ótimo trabalho “Boca Molhada de Paixão Calada”, comemorando os 70 anos de Leilah Assunção (mesma autora de "Fala Baixo, Se Não Eu Grito") e os 10 anos da Cia.

A história do casal que se encontra em um pequeno apartamento para dar vazão à paixão “calada” pela separação, mas que ainda é viva, nos é apresentada pela autora. Neste dia em específico, resolvem botar em pratos limpos todas as traições, mágoas e histórias escondidas, para que possam prosseguir, juntos ou separados, nesta vida às escondidas, ou se, após isto tudo, poderão reatar o romance. E é nesta lavação de roupa suja que surgem cenas do passado entre os dois, inclusive, uma dessas cenas faz uma viagem na relação do casal na época da ditadura (que este ano completa 50 anos).

Até que ponto se pode abrir o jogo com o(a) ex-mulher(marido)? Vale a pena contar tudo que ficou escondido durante o relacionamento? É possível conviver com a traição posta às claras? E as mentiras contadas apenas para ferir o companheiro? São caso de assassinato ou perdão? As respostas estão ali no Porão do Laura Alvim.

No palco, a cenografia de Danielle Geamal indica um ambiente estilo “garçonière”, uma quitinete simples, num lugar obscuro da cidade, com poucos móveis, cortinas fartas e um sofá que vira uma cama redonda de veludo azul, composto por gomos. Como um queijo tipo “A Vaca Que Ri”. O figurino é único, mas com elementos que auxiliam para contar a história. O casal se mostra muito íntimo do local, parecendo que se encontram várias vezes por lá. Usam os gomos do sofá-cama para criar as cenas. A luz do Djalma Amaral, limitada ao espaço, consegue auxiliar na evolução da história. A trilha sonora de Zéza Júlio também é positiva.

Márcio Vieira é um ótimo diretor. Tenho visto trabalhos seus e sempre me surpreende. Gosto da movimentação, utilização do palco e da condução dos atores em cena. Marcio aproveita bem o cenário e a ótima dicção do elenco, que se entregou ao diretor.

Ana Berttines e Romulo Rodriges fazem o casal. A química entre os dois é excelente e já tinha gostado do trabalho deles desde “Quando as Máquinas Param”. Com esta montagem, consegue mostrar outra faceta boa de seus trabalhos como atores. Seguros, sabendo bem como conduzir a história, envolvidos com o texto. Atores que olham no olho e se emocionam quando parceiro também se emociona. Afinal, falar de amor, nos dias de hoje, mesmo que seja numa lavação de roupa suja ou numa reconciliação, é prato quente para emoção.


Sem dúvida alguma "Boca Molhada de Paixão Calada" é um espetáculo que comemora com respeito e dignidade os 10 anos da Cia Escaramucha. Esta Cia, que navega também pelo teatro infantil, apresenta a peça “Histórias que o Eco Canta”, que já circulou pelo Rio e São Paulo.

Está aí uma justa e competente homenagem à Leilah Assunção. É sempre um prazer assistir ao trabalho ótimo de uma Cia de teatro sólida que faz a cena teatral carioca cada vez mais rica.

Nenhum comentário: