quinta-feira, 1 de outubro de 2015

A NOIVA DO CONDUTOR


Noel Rosa viveu apenas 26 anos e, neste mínimo espaço de tempo, compôs cerca de 260 canções. Que fôlego! Em 1935, Noel foi contratado pela Rádio Clube do Brasil, onde, além de outras coisas, escrevia esquetes humorísticos e paródias de óperas famosas, prática comum nas rádios do Rio na época. O que se fazia: em cima de uma música de compositor conhecido colocavam uma nova letra em português com assuntos do cotidiano ou da política. 

Mas Noel Rosa, “naquele verão resolveu fazer algo de diferente”. Escreveu junto com Arnold Gluckmann a opereta “A Noiva do Condutor” com enredo e músicas inéditos.


Está em cartaz no Teatro do Centro Cultural Correios, uma nova montagem desta história que gira em torno de um condutor de bondes, Joaquim, que se faz passar por um advogado a fim de conquistar Helena. O pai de Helena é contrário ao namoro. Porém, no dia em que o pai da mocinha vai ao endereço fornecido pelo rapaz como sendo de seu escritório, adivinhem quem eles descobrem como sendo condutor do bonde? Tristeza de Helena, ódio do pai e desespero do condutor. Como esta história termina, só indo ao teatro para saber. Porém, o que importa é que, desde aquela época, as peças de teatro já mostravam os valores morais, revelando o apego ao dinheiro e ao status social.

Sabemos ainda, durante este espetáculo, que Noel Rosa primava por seu bom humor e ironia. A cena em que se recita um poema “fálico” é hilária. Noel cria uma opereta tipicamente carioca onde os valores mudam a todo instante, de acordo com a conveniência do momento.

A cenografia de José Dias é criativa, bem confeccionada e deixa o palco livre para que a peça seja contada, os atores possam dançar e se movimentar com espaço. José Dias criou cadeiras-escadas, um painel surpresa no fundo do palco, colocou um bondinho sob trilhos, que passam até por uma maquete dos Arcos da Lapa, resumindo num único objeto cênico toda uma malandragem carioca, e ainda tem bandeirinhas de festa de São João (alusão à música Último Desejo). Aplausos para esta cenografia. O figurino de Carol Lobato é bonito e harmônico. A iluminação de Aurélio de Simoni contribui para a fluência da história e os números musicais.

Duda Maia assina a direção de movimento. Seu trabalho é impecável. Uma beleza a forma como conduz, junto com a direção, o “comportamento” dos personagens e atores em cena. Por falar em direção, Djalma Thürler nos oferece um espetáculo lindo, de alto nível cultural e com segurança de professor. Pela harmonia em cena, a cumplicidade de músicos e atores, os cacos estudados e as inclusões de outras músicas de Noel Rosa, sabemos que neste espetáculo temos um diretor que capricha em cada cena. Djalma é muito feliz neste trabalho e a comunicação com a plateia é imediata desde o momento em que o condutor nos busca no saguão, convidando a todos a embarcar no bonde-espetáculo.

A direção musical e arranjos de Glória Calvente dão o tom da elegância do espetáculo. E os músicos Andrey Cruz (sopros), Nilton Vilela (percussão) e Roberto Bahal (ao piano e pai do condutor) executam com perfeição e sensibilidade.

Mas, além de todos os elogios já feitos até aqui, é o elenco que nos oferece um espetáculo cativante, de excelente nível, e que nos abraça a todos. Estamos, na plateia, junto com o elenco, no palco, sendo parceiros e ao mesmo tempo cúmplices desta história. A interação entre eles, e o público, é necessária para que o espetáculo seja bem realizado. Marcelo Nogueira é o condutor. Inegável seu talento vocal recentemente visto na homenagem prestada ao cantor Agnaldo Rayol. Em A Noiva do Condutor, Marcelo mostra que também é ótimo ator. Nos emociona quando a farsa do mocinho é descoberta, nos encanta quando a paixão pela mocinha é levada às últimas consequências. Izabella “Narizinho Forever” Bicalho, está ótima, encantadora, sábia nos momentos de humor, raiva, decepção e paixão. Além de cantar muito bem, Izabella está cada vez mais segura em cena. Não menos importante, Rodrigo “Olha a Faca Forever” Fagundes usa toda a sua verve de humor, tiradas rápidas e quebra de respiração para valorizar as piadas e fazer de um texto normal, uma gargalhada inesperada. Elenco unido, feliz e se divertindo em cena.

A Noiva do Condutor mostra que a moral varia de acordo com o dinheiro no bolso. Estamos vendo nosso país ser partilhado por partidos que exigem ministérios em troca de aprovação de emendas e vetos. Ou seja, o toma-lá-dá-cá é histórico e enraizado... Noel Rosa, com seu sábio bom humor nos faz rir desta falta de decoro do brasileiro, do carioca. Aplausos de pé para a produção deste espetáculo. Que tenha vida longa, pois é de espetáculos elegantes, históricos e de qualidade como este que nosso teatro carioca precisa!



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