terça-feira, 14 de março de 2017

DIAS PERFEITOS

Sou fã de romances policiais e livros de suspense. Agatha Christie e Sir. Arthur Conan Doyle povoaram minha adolescência. Depois, com o cinema, a paixão por “O Iluminado” e “Jogos Mortais” venceram fácil a “Sexta-feira 13”. Se o suspense for inteligente, como “O Silêncio dos Inocentes” (meu filme favorito), melhora muito!! E daí para a literatura do gênero foi um pulo.

Fui apresentado ao Raphael Montes e viramos amigos instantaneamente. Li Dias Perfeitos, depois Vilarejo, assisti à peça Suicidas e começo a ler o Jantar Secreto. É um dos autores jovens nacionais que mais admiro, tanto pelo talento da escrita fácil e rápida, quanto pela inteligência ao produzir tramas assustadoras e possíveis. Nada previsíveis, bem embasadas teoricamente, com a pesquisa feita respeitando as leis da física, química, sociais e da natureza. Trocamos mensagens sempre que a saudade aperta ou para indicar um passeio que renda uma coluna no O Globo, sua casa das segundas-feiras. Sou fã além do amigo.

Ano passado, seu primeiro livro, Suicidas, virou teatro (Roleta Russa). Agora seu segundo, Dias Perfeitos, uma história de amor, loucura e obsessão, acaba de estrear no Teatro Cândido Mendes, minúsculo celeiro de boas peças. A tarefa da adaptação cabe a Cesar Baptista, mesmo adaptador e diretor da transposição do primeiro livro para peça.

É claro que tendo lido (e amado) o livro, a gente sempre espera que o universo criado na nossa cabeça seja o mesmo apresentado tanto num palco quanto numa tela de cinema. Nesta montagem, Cesar Baptista apresenta os personagens resumindo rapidamente a primeira parte do livro. Em dois monólogos, ficamos sabendo com os personagens principais se conheceram, rápidas características de cada um, o primeiro encontro e os motivos que levaram Teo a sequestrar Clarice e os desdobramentos disso. A segunda, e maior parte da peça, é a relação entre sequestrador e sequestrada, como viveram durante o tempo de cativeiro, causas e consequências de suas ações. Por fim, a terceira parte, onde tudo se revela, as justiças são feitas (ou não) e a vida segue seu rumo. Sem volta. Cesar Baptista consegue manter o suspense do livro no palco e isto é o mais importante para os fãs de Raphael Montes.

O micro palco de 4 por 4 metros do Cândido Mendes não permite muitas firulas, mas Igor Alexandre Martins solucionou o cenário muito bem. Criativamente uma grande mala rosa ao fundo do palco e várias malas de viagens viram cama, casa, delegacia, barco, carro. Solução ótimas para a mãe de Téo e a cena do afogamento. Mas é imperdoável Clarice não ser transportada numa mala rosa... O figurino, também de Igor, dão o tom de cada personagem, sem exageros. A luz de Edson FM entra no jogo com competência e a trilha sonora do diretor Cesar Baptista estão de acordo com um bom espetáculo de suspense.

Os atores Dani Brescianini (Clarice) e Helio Souto (Teo) dão vida aos personagens principais. Dani se sai um pouco melhor que Hélio, pois sua personagem é mais comunicativa. Também no elenco, Arno Afonso, Leonardo Vasconcelos e Virgínia Castelloes se dividem em vários papéis.

Cesar Baptista é um herói por levar ao teatro dois livros de sucesso, do mesmo autor, e conseguir manter o suspense e a qualidade do texto escrito, transformado em palavra falada. É uma tarefa muito bem realizada e produzida. As soluções para os pesadelos de Teo, as cenas de violência física, a utilização do micro palco, a cena do afogamento, dos passeios de carro, os anões da pousada, a mãe de Téo, são ótimas. O suspense está mantido do início ao fim e tenho certeza que quem não leu o livro irá acompanhar a história toda sabendo bem o rumo de cada personagem.


Como fã da literatura e do teatro, admiro o casamento entre as duas artes. Produzi em Salvador a montagem de uma peça infantil baseada num livro e fomos premiados por isto. Desejo que Dias Perfeitos tenha vida longa para que cada espectador vire um leitor compulsivo e que cada leitor vire um espectador assíduo do teatro. Numa época em que patrocínios estão escassos, Cesar Baptista consegue trazer para o Rio de Janeiro uma equipe toda de São Paulo para mostrar um trabalho de qualidade e respeito a um dos maiores autores da literatura nacional de sua geração, Raphael Montes. Vá ao teatro e se surpreenda com esta história.

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